terça-feira, 30 de abril de 2013

Descreve Mia Couto

"Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer"

In.:"Pergunta-me". COUTO, Mia.







sábado, 27 de abril de 2013

Sentença de desmérito

A sentença foi essa, viveu um amor de dolo eventual. Tropeçou em seu sentir, pugnando à outra parte a perda por negligência, imprudência e imperícia.

Perda

O motivo da angústia
Não veio de longe
Veio, apenas, de dentro
Crepitando em chamas
A ausência da amada

Ardeu em descomum
Descontentamento
E a dor da perda invadiu
Os restos de um ser
Já dilacerado

Chamou um passado
Evocando-o de maneira gritante
e com tamanho infortúnio

Mas agora, como resposta
Ecoou na nebulosa penumbra d'alma
Um futuro perdido.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

terça-feira, 23 de abril de 2013

O reflexo

Os ares ofegantes de uma rotina fastisiosa, roubou-lhe do semblante o regozijo que traria qualquer criatura em plano terreno. O constante desalento aplicou-lhe na face uma superdosagem de um enrijecimento que fugia às explicações comuns. Algo nada normal lhe viraria uma rotina, era a falta de achar em si o que verdadeiramente seria. O enrijecimento muscular das proeminências faciais, aquilo que mais comumente denominar-se-iam bochechas, destacava a expressão da falta de amabilidade e simpatia deste ser prostrado e sem identidade. Uma espécie de derretimento da face, puxava para baixo a abertura bucal daquele rosto encharcado e enrijecido de prostração. Difícil explicar a complexidade e o grau daquela massa epidérmica facial. Como se uma certa força gravitacional agisse ali, regendo e repuxando para a parte inferior toda a expressão e a falta de sorriso. Olhar aquele rosto seria ter à vista uma falta de agradabilidade, um certo desconforto, sendo algo disforme e desproporcional. As rugas ,amontoando entre si,  marcavam a falta de expressão, ou melhor aquela velha e indisposta expressão rígida e desprovida de viveza. As pálpebras caíam sobre os olhos e estes que por sua vez tão caídos, aludiam a um peixe quando perde a vida. Uma tristeza singular tomava conta daquele pobre rosto, um sentimento ruim, encrustado carnalmente na velha face. De certo, não sabia o motivo para essa velha expressão, simplesmente não procurava nem tampouco sabia o porque daquele enrijecimento. Aliás, somente ele não o sabia. Caminhando absorto e com o mesmo semblante de outrora, encontrou ,certo dia, um certo objeto desconhecido por si, nada igual havia já lhe aparecido na frente. Um pequeno quadrado, de dez por dez centímetros, de vidro polido e metalizado que refletia e reproduzia em si a imagem do velho semblante, sim, tratava-se de um espelho. Deslumbrado com a imagem nunca vista antes, o velho rosto, diante do espelho foi colocado à prova. O homem agora observava cada minúcia de detalhe, perdendo-se a todo instante, querendo captar cada linha, pêlo e célula. Mas algo estranho ocorreu-lhe diante da situação, o velho homem de semblante paralítico começara a sentir o amolecimento de seus músculos. Reverteu-se a gravidade antes presente, e diante do espelho surgiu-lhe no rosto um breve e natural sorriso. Agora tudo fazia sentido. O homem amolecendo a face, sorriu para o mundo, havia ali se descoberto. Mas um momento, uma bizarrice maior sucedia, muito cheio de si, o homem agora descoberto, para mais uma análise de si, voltou a se ver diante da superfície refletora. Mas que bobagem, o espelho nunca mais refletiu sua imagem. Foi o drama deste que viveu por viver e acabou, mesmo ao final, sem identidade.

Peças e despedaços

no meu caminho
deixo a marca 
de despedaços
que durante esta marcha
do martírio de viver
só fizeram sentido
diante o mistério 
de perdê-los

mas caminhando
desconstruí a realidade
desmenti a verdade 
e escrevi para viver

o fim da linha chegou
e agora todo quebra-cabeça
em pedaços se remonta

as peças somente no fim fazem 
o sentido.

É o relato de um alguém
que viveu.

domingo, 21 de abril de 2013

Viúva negra

Entre tremendo tormento
o velho Bento
despediu-se de Maria

pois, cansado da vida,
soterrou-se no solo
e partiu pra eterna calmaria


restou ao destino,
pôr fim à solidão de Maria
casando-a com Constantino


Mas a história não acaba.
Constantino também definhou-se,
pondo Maria em desatino.


E assim o foi com os outros
dez maridos.
Era a sina da viuveza de Maria.


Descreve amigo Vinicius

"Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa"


In: "Soneto de Contrição"

sábado, 20 de abril de 2013

A partida.

À espera do próximo trem, empilhou as  malas, como um engenheiro que planeja o lugar de cada tijolo do enorme edifício, assim o fez com as malas,tentando planejar um futuro, até então, incerto. Submeteu-se à tal situação, desde que resolvera sair da cidade, não importava o destino, importava apenas, pôr ali, um ponto final e partir. E partiu. Olhou no pulso o relógio, já era quase hora, partiria dentro dos próximos quinze minutos. Tirou a poeira do paletó engomado, lustrou o sapato, ajeitou a aba do chapéu e procurou nos bolsos, o perdido bilhete de passagem. A preocupação tomava forma nas rugas de sua testa franzida, que juntamente dos passos dados pra lá e pra cá, agonizavam qualquer transeunte que ali ao lado passava. Mas era preciso partir, ali jazia toda uma história. Agora eram dez, os minutos restantes. Esperou os próximos cinco minutos, como quem espera a passagem de cinco séculos. A ânsia da partida lhe  açoitava o peito, agonizando em sua mente as lembranças deste lugar que logo, dentro de minutos, deixaria. Mais uma vez arrumou a aba do chapéu, colocou os óculos escuros e abriu diante da face o jornaleco da pequena cidade. Os passos eram cada vez mais apressados, dava voltas num movimento de rotação acelerado. Esperar mais três minutos, o trem que parecia nunca chegar, tornou-se um martírio. Arrumou mais uma vez o disfarce, olhou para os lados e desconfiou dos passantes. Ajeitou a lapela, empilhou as malas, guardou o jornal e olhou no relógio, agora dois minutos restantes. Certificou que estava ali, dentro do paletó marrom, a quantia recebida, uma farta junção de notas verdes, guardadas dentro do envelope surrado. Passaria, longe dali, uma boa vida que viveria às custas do recebido pelo feito. Estava sedento pela chegada do trem, que agora, não tardava um minuto. Enfim, a grande máquina de ferro anunciou sua chegada triunfante, que naquele momento entrara na plataforma da estação. No rosto, abriu-lhe um daqueles sorrisos sarcásticos. Deu então, o primeiro passo porta a dentro. Escutou a voz que, do fundo da estação chamava seu nome. Virou-se, e naquele triste momento, um sujeito apareceu, e de forma impiedosa, sacou o ferro, apertou o gatilho e desferiu-lhe três tiros, dois no peito e um ao vento, tomou o envelope e fugiu. O paletó marrom, agora coloriu-se com uma grande mancha rubra. Zero minuto e o trem partira , partiu também o forasteiro jurado de morte.

Mots au vent*

A arte de ser intangível, 
é o que separa o poeta
 do mundo real
,eis que sua profissão, 
de função inacabável,
 lança ao v e n t o 
palavras 
que ao dia do porvir 
servirão de acalento,
 aos tristes olhos 
de quem agora 
descreve estes versos 

sem talento.






                                         *palavras ao vento




                           

in Pacto



Dizei-me junto ao tempo
E junto a mim
que o amor ganha força
somente dos momentos
junto de ti
                               Exclua os intervalos                  distantes

Porque nenhum tempo
-nosso-
foi feito para não amar.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Um bilhete ao Tempo

— Olá Tempo, desculpe-me, mas terei de falar com certa aspereza, o que acho plenamente justo diante de sua rispidez. Nada mais injusto e imcompreensível que o tempo. Não gosto de você, Tempo. Não me compreendes? Não peço nada mais que inverter-se e seguir o meu próprio tempo. Ah, como queria eu, ser teu dono, Tempo. Inverteria os ponteiros e tiraria as engrenagens deste objeto que carrego no pulso. Não te peço muito, peço apenas seu controle. Como seria mais fácil, eu dono de ti, somente para tê-la em meus braços. Inverteria a regra sexagesimal de seus segundos, minutos e horas, apenas para prolongar os rápidos momentos que perto dela permaneço, e retardaria a contagem do tempo nos momentos em que distante dela estou. Mas não, insistes em ser ríspido comigo. Dê-me tempo! Eu não peço nada mais que tempo. Tempo meu e dela, tempo nosso. Estou contrariado contigo, Tempo... dê-me apenas tempo...

Ass.: um amante

sábado, 13 de abril de 2013

Ares anamnésticos



Puxou o fôlego e apurou de sua memória poucas e vívidas lembranças. As recordações táteis e sensações insólitas lhe deram o ar de revivescência, não este ar que se encontra na atmosfera, não qualquer ar, mas aquele que, realmente, lho fazia respirar. Era um ar assim, de gosto e de cheiro, palpável e visível, que lhe permitia respirar momentos de sua lembrança e em insana consciência viver o momento pretérito, ali e agora, e projetar na tela de seu consciente, ou melhor, desconsciente, todos instantes intensamente vividos e saudosamente inacabados. Soltou o fôlego, respirou o ar, agora atmosférico, e prosseguiu os passos. O Presente lhe chama.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Unidade de Tratamento Interno


Incomodado pela tremeluzente luz branca a ofuscar-lhe a retina, (mesmo que de pálpebras cerradas), tentava desesperadamente, sem êxito, abrir o olhar à procura de um esclarecimento da situação. Com os sentidos à flor da pele, vivenciava cada pequeno fato de forma sinestésica, como os passos, que do corredor silencioso se aproximavam cada vez mais, causando-lhe na mente um infernal barulho de martelo. Ou mesmo as gotas pingando com a força que cái um meteoro, sentindo nas veias o transpassar gelado do líquido viscoso, que das artérias às organelas celulares iam distribuindo cada elemento químico de forma elementar. A loucura dos clamores vindos de macas vizinhas ecoavam, em seus tímpanos, agora mais sensíveis que uma película d'água, e crivavam-lhe nos neurônios de forma a interromper as sinapses, ocorrendo-lhe no ser a demência e desvarios de seus colegas enfermos. Confundia agora, o ser real e o imaginário, já não mais sabia sua colocação no tempo e no espaço. De súbito, como uma alma que cái no corpo ao acordar de um sonho, quis com toda veemência física do corpo levantar-se, mas tarde demais, os membros locomotores encontravam-se ali, fortemente atados à gélida plataforma metálica. Pôs-se à prova, a maior insanidade que pode um ser-humano, perder o controle de si, vivia um mundo de pulsações convulsivas e delírios. A brancura do ambiente hospitalar fora tanta que penetrou-lhe o ser, roubando o rubor sanguíneo da pele, congelando a alma e atribuindo-lhe o estado lânguido que trazia o desfalecer do ente. Não restava outro diagnóstico, o aparelho ao lado já não mais soltava o bip que tem um ser em vida. As ondas já não mais seguiam o ritmo de uma variação compulsória, restava apenas uma linearidade cartesiana que calou uma vida, uma voz e um ser. Só não calou a voz do médico, que ao final, apenas disse : "Desliguem os aparelhos!".

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Erro de amor, apenas gramatical.

o que dizer, de quando
a parcela 'se' lhe persegue
colocando um 'porque'
nesta situação?

Não se tratava de 
uma questão amorosa
seria apenas, gramatical

Negou o 'se' e
afirmou o sentimento
não o amoroso
apenas, gramatical.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Tragamento

Trago dentro de mim
[assim como a fumaça
Branca do cigarro]
-Palavras-
[que diferente da fumaça
branca do cigarro]
Não passam das cordas vocais.
Apenas se esfumaçam no papel.

Não sou fumante, mas traga cá
um maço vocabular.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Quiz


E o que é importante?
Insistir em buscar a verdade
ou a ilusão para forjar a realidade?
Mal soube responder você, ora pois
quem dirá ele, o poeta.

Afinal, a poesia é uma grande
-mentira-
Bem contada.

Contratempo

Era sempre a mesma dúvida. Sempre que acordava, sobre o criado-mudo, certificava-se das horas e amaldiçoava o calendário. Era a rixa constante contra o tempo. Mas era assim, não gostava, aliás, detestava que lhe datassem a vida. Para o pequeno poeta o que lhe importava era o quando.

Sinal fechado


João parou o carro. Cerrando os olhos na movimentada avenida, sentiu no corpo a pulsação saltitante de seu peito intumescido. À sua volta, um estranho mundo a girar , não viu razão para tantas palavras, gritos e ruídos. Por um momento desligou-se, buscando no silêncio o amadurecer de sua existência. E mal sabia este, que era o silêncio o seu sossego. Que era o silêncio a mais estrondosa expressão de si. Voltou à realidade, o sinal abrira. João seguiu em frente com a vida, porém agora, emudecido.