quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Passa cada estação
Entre céus e purgatórios
Morre todos os dias o poeta
como um poço de efemeridade,
Mas logo renasce
A cada verso.

E pesa, a dor e o sentimento
O coração e as lágrimas
Como a pena que suporta 
O peso da mão

Seguem os versos
Em linhas tortas
E o poeta morre todos os dias 
Para que a poesia nunca perca 
Sua vivacidade.

domingo, 20 de outubro de 2013

De quem é o olhar


De quem é o olhar
Que espreita por meus olhos?
Quando penso que vejo,
Quem continua vendo
Enquanto estou pensando?
Por que caminhos seguem,
Não os meus tristes passos,
Mas a realidade
De eu ter passos comigo?

Às vezes, na penumbra
Do meu quarto, quando eu
Por mim próprio mesmo
Em alma mal existo,

Toma um outro sentido
Em mim o Universo -
É uma nódoa esbatida
De eu ser consciente sobre
Minha ideia das coisas.

Se ascenderem as velas
E não houver apenas
A vaga luz de fora -
Não sei que candeeiro
Aceso onde na rua -
Terei foscos desejos
De nunca haver mais nada
No Universo e na Vida
De que o obscuro momento
Que é minha vida agora!

Um momento afluente
Dum rio sempre a ir
Esquecer-se de ser,
Espaço misterioso
Entre espaços desertos
Cujo sentido é nulo
E nem ser nada a nada.
E assim a hora passa
Metafisicamente.

                                                                    Fernando Pessoa, ''Cancioneiro''

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Meditação sobre o café

Desajeitado e descontente
olhou para a mesa, uma xícara.
Bebeu um gole do café
amargo e frio

Olhou para a asa
da pequena xícara
Pensou que poderia ter asas
Desviou o olhar 
e tomou outro gole.

Desconfiado e com os olhos
agonizados
deu o último gole
e nada mais fazia sentido.

Black Hole

E é estranho tudo isso, a maneira como se movem as coisas, as pessoas, os caminhos, todos perdidos à procura do que lhes consola. As coisas grandiosas, como a vastidão do universo ou mesmo o negro vazio da noite... essas não assustam, pelo contrário, elas amenizam, são condolências ao ato de viver. Me assusta a insanidade contida nos olhares vagos, das pessoas que por esse lapso temporal coexistem. Me instiga a necessidade de ser ou mesmo a sua falta, daqueles que humanos se intitulam. E a Terra, em seu movimento de rotação, segue perdida na imensidão do nada. E nesse perdido, os perdidos marcham sem saber o que procuram, sobrevoam e declinam-se, rastejam prostrados, com máscaras hostis, caindo o tempo todo em armadilhas, por eles armadas. E se entorpecem com suas frivolidades, e rodam, e preenchem o ego da forma mais suja , e caem em si. Montam, se remontam e são dados por perdidos, mais uma vez. Tudo é um grande martírio, que segue à destruição própria. Chega um dia em que serão lembrados de estarem sempre esquecidos. E assim se movem, se agonizam no mais alto grau de sua insignificância. E nada mais saberão, de um tudo que jamais será resgatado.

sábado, 12 de outubro de 2013

Oraison du soir - Rimbaud

[...]
Tels que les excréments chauds d'un vieux colombier,
Mille rêves en moi font de douces brûlures:
Puis par instants mon cœur triste est comme un aubier
Qu'ensanglante l'or jeune et sombre des coulures.
[...]

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Ondas vermelhas

Assim segue.
Procura o perdido
que restou naquele olhar.
Aquele que em gestos
fugidios, tímidos e harmoniosos
em sua busca se consolidou. 

As mãos gélidas.
O peito disparado,
que agora tortura-se,
toma dimensão tamanha...
comparada a uma infinidade universal
E não se suporta ali, entre átrios e ventrículos.

Se exige mais.
E o silêncio toma conta,
como uma expressão da desordem
contida na mente.
E para , e sente, e dói, e anda
e silencia... mas não consegue!

De uma veemência insólita
que do fôlego lhe parte
procura mais uma vez o perdido.
E ama o perdido
tal como quem enxerga o horizonte, prevendo eternidade.

Absorto, sutil e melancólico.
Assim segue... condoído.  
Carrega o deleite e a aflição
que agora o inteira. Já é noite.

Dessa forma suspira,
E auspicioso espera que a alvorada
um dia ainda o leve

em ondas vermelhas. 

domingo, 6 de outubro de 2013

Do sentir insano

E assim ao
lançar olhares,
nada saberás.

Nada faz sentido
quando se sente

Se o peito flameja
e o olhar vaga...
Esqueça o que circunda-te.

Nada faz sentido
quando se sente

Agora resta o nada,
que ao tudo deu causa.
Resta tu, alma vaga
de corpo erradio.

Esqueça-te das páginas
que agora amarelam-se
na última gaveta
dos teus pensamentos perdidos.

Nada faz sentido
quando se sente

Foi um dia
em que era senhor de tuas ideias,
mas agora te tornas escravo.

Resta-te o nada de viver,
submerso nas sensações
perdidas do sentir.

E assim vagueia...
Voa como um
pássaro sem ninho

e que, sem solo
não encontra lugar pra repousar.
Mas isso tampouco importa.

A consciência própria
de teu estado pueril,
condena-te à dor...
à dor que deveras amarra-te.

E por essa razão
te lanças ao mar das intensidades,
aos ditames de tua inconsciência
que não nega o sentir.

Nada faz sentido
quando se sente

Esqueça-te agora
que és razão
e lembra-te que és substância...
que és humano.

Vejas! De tu foras roubada
a incolumidade
e a certeza de teus passos.
Mas o brilho, à visão retorna.

Entrega-te à desrazão total
de teu íntimo,
pois o cintilar nos olhos
é mais importante que o sentido de tudo.

Pois nada faz sentido
quando se sente.





                                                               Àquela que me tira a razão.