terça-feira, 23 de abril de 2013

O reflexo

Os ares ofegantes de uma rotina fastisiosa, roubou-lhe do semblante o regozijo que traria qualquer criatura em plano terreno. O constante desalento aplicou-lhe na face uma superdosagem de um enrijecimento que fugia às explicações comuns. Algo nada normal lhe viraria uma rotina, era a falta de achar em si o que verdadeiramente seria. O enrijecimento muscular das proeminências faciais, aquilo que mais comumente denominar-se-iam bochechas, destacava a expressão da falta de amabilidade e simpatia deste ser prostrado e sem identidade. Uma espécie de derretimento da face, puxava para baixo a abertura bucal daquele rosto encharcado e enrijecido de prostração. Difícil explicar a complexidade e o grau daquela massa epidérmica facial. Como se uma certa força gravitacional agisse ali, regendo e repuxando para a parte inferior toda a expressão e a falta de sorriso. Olhar aquele rosto seria ter à vista uma falta de agradabilidade, um certo desconforto, sendo algo disforme e desproporcional. As rugas ,amontoando entre si,  marcavam a falta de expressão, ou melhor aquela velha e indisposta expressão rígida e desprovida de viveza. As pálpebras caíam sobre os olhos e estes que por sua vez tão caídos, aludiam a um peixe quando perde a vida. Uma tristeza singular tomava conta daquele pobre rosto, um sentimento ruim, encrustado carnalmente na velha face. De certo, não sabia o motivo para essa velha expressão, simplesmente não procurava nem tampouco sabia o porque daquele enrijecimento. Aliás, somente ele não o sabia. Caminhando absorto e com o mesmo semblante de outrora, encontrou ,certo dia, um certo objeto desconhecido por si, nada igual havia já lhe aparecido na frente. Um pequeno quadrado, de dez por dez centímetros, de vidro polido e metalizado que refletia e reproduzia em si a imagem do velho semblante, sim, tratava-se de um espelho. Deslumbrado com a imagem nunca vista antes, o velho rosto, diante do espelho foi colocado à prova. O homem agora observava cada minúcia de detalhe, perdendo-se a todo instante, querendo captar cada linha, pêlo e célula. Mas algo estranho ocorreu-lhe diante da situação, o velho homem de semblante paralítico começara a sentir o amolecimento de seus músculos. Reverteu-se a gravidade antes presente, e diante do espelho surgiu-lhe no rosto um breve e natural sorriso. Agora tudo fazia sentido. O homem amolecendo a face, sorriu para o mundo, havia ali se descoberto. Mas um momento, uma bizarrice maior sucedia, muito cheio de si, o homem agora descoberto, para mais uma análise de si, voltou a se ver diante da superfície refletora. Mas que bobagem, o espelho nunca mais refletiu sua imagem. Foi o drama deste que viveu por viver e acabou, mesmo ao final, sem identidade.

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